domingo, 20 de julho de 2008

A Montanha

Após algumas horas de sono, soa o despertador. Uma da madrugada. Pego os víveres da geladeira e os passo para a bolsa térmica. Após um lanche rápido, apanho as mochilas e saio de casa, cheio de entusiasmo para mais um dia de montanha, sem me importar com a alteração de fuso horário biológico.
Noite fria. Lua cheia. O grupo das 11 pessoas se reúne no ponto de encontro e parte, precisamente, às duas horas.
Uma hora mais tarde, chegamos à fazenda (S 25° 13' 16,67" W 048° 51' 20,86"). Atendemos ao protocolo de preencher as lacunas de nome e destino, na lista dos montanhistas presentes nas trilhas. A distância a ser percorrida nem é tão grande (cerca de 8km) porém com muitos obstáculos, alguns perigosos que, não raro, fazem vítimas. Por isso o preenchimento garante um eventual resgate, se necessário.
É preciso coragem para embrenhar-se nas trevas da floresta. Horário de início da caminhada 3h25. A precursora da idéia e organizadora do grupo, Aliny Borba, jovem e destemida, membro ativo do Grupo Pegadas, vai na frente. Guia os aventureiros pela escuridão. Desmonta as teias de aranha do caminho.
As lanternas de cabeça acesas dão a sensação de estarmos em uma procissão. Nos vem a lembrança as expedições em cavernas, como as do Vale do Petar (SP). O grupo caminha silencioso pela mata. Nos descampados desligamos as lanternas e caminhamos à luz do luar. Pausas para reagrupamento e breve descanso.
Primeira parada: fonte. Abastecemos os cantis.
Às 5h20 vemos pela primeira vez o contorno das montanhas mais escuras em relação ao céu (foto Pico do Itapiroca). Vemos a imponência do maciço granítico do Paraná a poucos km de distância à frente.
Um dos objetivos é chegarmos ao A1 (primeiro acampamento - S 25° 14' 48,30" W 048° 49' 26,40") antes do alvorecer. O GPS informa que o sol romperá a linha do horizonte às 6h58. O grupo, bem preparado fisicamente, mantém um bom ritmo e chega a quinze minutos da aurora.
A temperatura é ainda mais baixa do que na fazenda. A roupa molhada de suor aumenta a sensação térmica de frio. Estamos na altitude de 1575m. Após um breve lanche, testemunhamos a um esplêndido nascer de sol, no longínquo horizonte.
Desligadas as lanternas, seguimos então para o A2. A trilha vai se tornando mais pesada, não só pelo aumento das dificuldades em se transpor os obstáculos rochosos, mas também por já estarmos há mais de 4 horas caminhando, com ar mais rarefeito e sem uma boa noite de sono. A luva de trilha se revela fundamental. Utiliza-se a força dos braços com bastante freqüência e as superfícies rugosas castigariam muito mãos sem luvas.
Seguimos corcoveando pela crista das montanhas (foto), num cansativo sobe e desce.

Chegamos a descer um desnível de mais de 100m para então iniciarmos o derradeiro ataque ao cume. O caminho passa então a contornar o maciço do Paraná pela direita, face oeste, à sombra nesta hora do dia. Momentos típicos de escalada a partir de agora. Abraçando-se a pedras e utilizando como apoio grampos estrategicamente colocados ou correntes, vamos subindo. Com algumas pausas para diminuir os batimentos cardíacos, acelerados não se sabe se pelo esforço ou pelo medo provocado pela proximidade dos precipícios. Chegamos ao A2. Última parada para descanso. Alguns companheiros partem na frente. Aproveito para observar a paisagem. Nenhuma formação nebulosa no céu. Atmosfera límpida. O visual é hipnotizante.

Exaurido de forças já posso observar pessoas no cume (foto abaixo). Não consigo identificá-las dessa posição. O objetivo está bem próximo agora. Última pausa para descanso e 5 horas e 40 minutos depois do início da caminhada atingimos o ponto culminante do estado com 1879m de altitude (S 25° 15' 10,30" W 048° 48' 31,60"), segundo o GPS.
Inspirado pelo livro As Montanhas do Marumbi e com a ocasião proporcionada pelo Grupo Pegadas, retornei ao PP, após 18 anos. Parece que foi ontem. Nada na montanha mudou. Dei mais sorte desta vez pois o tempo colaborou para boas fotos. Melhor equipado, mais experiente e mais bem preparado , consegui cumprir a jornada de ida e volta no mesmo dia, sem a necessidade de acampar como fizemos em 90. Foram pouco mais de 10h de caminhada. O monitor cardíaco registrou o consumo de mais de 8000kcal (embora alguns companheiros achem que este valor não esteja correto).

Para nossa surpresa (e para diminuir a grandeza de nossa façanha), encontramos um praticante de parapente, devidamente equipado e prestes a decolar do cimo. Após três ou quatro decolagens abortadas, eis que piloto partiu! Dêem uma olhadinha no vídeo abaixo.
Obrigado pela sua companhia em mais essa aventura.
Abraço peregrino a todos _o/

domingo, 13 de julho de 2008

ITAIPU à noite

Desde que a Itaipu Binacional inaugurou o espetáculo noturno de iluminação da barragem, sempre tive vontade de assistir, mas faltava motivação. Apareceu então a oportunidade de presenciar uma dessas exibições, e do lado paraguaio da represa.
O lado de lá, como o de cá, apresenta o hall do anfi-teatro repleto de painéis de auto-promoção da empresa, informando aos turistas as atividades sócio-ambientais que a bi-nacional desenvolve nos municípios lindeiros ao lago, nos dois países. A maior diferença é que o anfi-teatro não é destinado ao tradicional filme institucional que estamos habituados a ver do lado brasileiro. Ontem tive a oportunidade de assistir a um show gratuito, com diversas apresentações musicais. Primeiro uma cantora de nome Paola, com sua bela voz cantou algumas polcas paraguaias, incluindo nossa conhecida Galopeira, porém na versão original (e não na traduzida, cantada pelo Donizette há mais de 20 anos!). Depois uma família de músicos (mãe cantora, e três filhos), moradores de Hernadárias, se apresentaram, arrancado aplausos das mais de 300 pessoas (entre elas, muitas crianças) que abarrotavam o auditório.
Uma banda, também de Hernandárias, porém de Rock, apresentou-se com uma música argentina, uma brasileira (Ana Júlia), uma extrangeira (Queen) e encerrando com um rock paraguaio. Foi mais de 1h de show de ótima qualidade!
E então partimos para o tão falado espetáculo. Uma boa opção para as noites de sexta e sábado, na tríplice fronteira.
Saudações do aventureiro!





segunda-feira, 7 de julho de 2008

Dia de records pessoais

Tempo bom. O sol nascia sem interferências. O céu azul e a temperatura de 15°C indicavam que seria um ótimo dia de corrida. Precisamente às 7h45 soou a buzina de largada. 508 homens e 133 mulheres iniciaram a jornada para os longos 21,1km.
Concentrado, a cada km acionava o "lap" no cronômetro. Satisfeito com a velocidade de 12km/h, acompanhava o pelotão que rapidamente engolia os trechos planos. As placas se sucediam com grande rapidez. A meta estava sendo atingida, mas quando começassem as subidas é que seria a hora da verdade.
A dor, fiel companheira, não poderia ficar de fora. Logo cedo, ao sair da cama e tocar o pé chão ela já se manifestava no calcanhar. Bem na conexão do calcâneo como tendão de Aquiles. Sumiu logo depois do aquecimento, em casa ainda. Agora, durante a prova ela estava de volta. Itinerante, decidiu retornar em outras partes. Já na primeira grande subida, do Rio Tamanduá, passou para a panturrilha direita. A endorfina e adrenalina tentavam distraí-la. Procurei ignorá-la e manter o ritmo.
Descidas e subidas se alternavam. Como uma criança hiper-ativa, ela procurava chamar a atenção. Subiu então para o joelho esquerdo, antes da metade da prova. "Isso não é problema meu", pensei.
Entramos no Parque Nacional, na floresta. Ninguém no portão, ao contrário do ano passado. Uma descida leve, longa e consistente. Quem dera fosse assim até o fim. Passamos da metade, agora. Poucos atletas nas proximidades. O cansaço já dava sinais de vida. Veio juntar-se à dor, que insistente, atacava em outra frentes mais. As parciais já não me agradavam: 5 e 30... 5 e 30... 5 e 30. O tempo sonhado já ia ficando distante. Não seria mais possível. Mas mesmo assim o tempo do ano passado seria melhorado, com certeza. Uma ex-aluna (voluntária) me dá um copo de água de côco. "Boa prova", grita, depois de me reconhecer, enquanto me afasto.
Ao contrário de provas como a S. Silvestre (que em determinados momentos mais parece uma grande caminhada) ninguém parava de correr. Só passei por 2 nessas condições, em todo o trajeto.
Km 20. Poucos funcionários do hotel que desceram até a estrada aplaudiam e incentivavam. Depois da última lomba e reta de chegada, em descida, felizmente. O rapaz do alto-falante faz um comentário jocoso com o meu numeral (71): "Lá vem o sete um", atraindo a atenção dos presentes. Chegando sozinho, acelero, aceno, rio, brinco de aviãozinho, curto o momento. A bateria de canhões dos fotógrafos disparando em minha direção. Flashs e mais flashs pipocando. Cruzo a linha! Dever cumprido. Mais uma medalha para a coleção.
Os records - Maior distância correndo sem interrupções (21,1km). Melhor tempo para a distância (1h52 - cinco min a menos que a do ano passado). Maior consumo calórico (4138 kcal). Segunda melhor marca para 10km (50min30s).
Ainda não tenho as fotos da corrida, mas tão logo tenha, prometo publicá-las.
Um grande abraço aos queridos leitores e torcedores.


sexta-feira, 4 de julho de 2008

A festa já começou

Dou início ao ritual que tanto gosto. Sentado na sala, vou tirando o cadarço do tênis e o reinstalando com o chip enlaçado. No pé esquerdo, segundo recomendação do folheto. Desastrado, furo o dedo ao enfiar um dos quatro alfinetes que prenderão o numeral 71 na bela camiseta da prova. Sua cor é a mesma da dos detalhes do tênis. Me alegro com a coincidência. Afinal é sempre bom manter a elegância.
Alguém pode estar se perguntando: - Chip? Que chip? Eu explico. Há alguns anos foi desenvolvido um dispositivo (foto) que cada atleta deve afixar no tênis. Na linha de largada há um tapete com um sensor que o lê, dando início à contagem do tempo. Assim, mesmo que o atleta leve alguns minutos entre o tiro de largada e a sua efetiva passagem pela linha, essa perda não é computada. Moderno, não?
A organização promove amanhã um buffet de massas para os quase 750 atletas, no restaurante do Hotel Mabu. O tempo está firme. A temperatura agradável. Humidade relativa do ar perfeita.
Agora é só caprichar na dieta e no alongamento para fazer bonito na corrida.
Obrigado a todos pela torcida!
Grande abraço.


quarta-feira, 25 de junho de 2008

Cataratas Argentinas

Olá blogueiros!
Para os que se animaram em participar da Meia Maratona das Cataratas, no domingo dia 06/07, há um programa imperdível nas três fronteiras: As cataratas do lado argentino. Apesar do frio que não tem nos abandonado desde o início do mês.
Para pessoas do Mercosul, o preço do ingresso no Parque é P$ 18,00, aproximadamente R$ 10,00. Neste ingresso estão incluídos passeios de trem (até a Garganta do Diabo) e o passeio de lancha, na jusante das cataratas, até a ilha de San Martín.
Nessa época do ano talvez a água não esteja muito própria para banho devido à baixa temperatura, porém é possível banhar-se no remanso da ilha. Há ainda uma trilha na ilha, muito interessante e com certo grau de dificuldade. Aviso importante: atenção ao horário de funcionamento da lancha. A melhor opção é começar o passeio pelo trecho "lower side", deixando a garganta do diabo para o final.
No verão encontramos grande quantidade de animais silvestres como a gralha azul (foto), lagartos, esquilos, preás, biguás, joão-graveto ou guaxo, etc. A umidade nas trilhas é muito alta, mas não a ponto de ser desagradável. A exuberância da mata é a mesma da do lado brasileiro porém há mais opções de trilhas.
No vídeo abaixo deixo um aperitivo do que você vai encontrar.
Grande abraço!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

6 de julho

"O domingo ainda não nasceu. Descobrindo a orelha, olho, por cima do sanduíche de lençol-cobertor-edredom, o luminoso do relógio. Já passa das cinco e meia. Ouço trovões ao longe e o barulho da chuva fina batendo na caixa do ar-condicionado. Estou atrasado! Vou para o planejado, balanceado e programado café-da-manhã.
A roupa preparada de véspera. Tenis, meia, camiseta com numeral fixado, bermuda térmica e short (prefiro passar calor do que frio, penso). Boné, barra de cereais, rapadura e gel nos bolsos. A alimentação durante a prova é importante. Passa agora das seis e quinze. Pego o carro. A ansiedade aperta o acelerador.
Estou na rua isolada agora. Comigo outros 500, talvez 600, espremidos entre os corrimãos do isolamento. Ouvimos as instruções no auto-falante. A noite lentamente vai nos abandonando. O céu está carregado com grossas e escuras nuvens. É chegada a hora de colocar à prova a preparação de meses."
Há um ano participei da minha primeira meia-maratona. Coincidentemente era a primeira "das Cataratas" também. Se a prova continuar existindo poderei me orgulhar de ter participado desde a primeira edição. Os 21,1km são sobre o piso de asfalto, com má conservação (para não dizer péssima), da Rodovia das Cataratas. A largada é pouco antes do trevo que vai para a Argentina, e a chegada é no restaurante Canoas, dentro do parque nacional, bem no ponto extremo do estado.
Na primeira edição o objetivo era concluir a prova. Os organizadores limitam em 2h30 a duração da prova. Estabeleci a meta de fazer a prova em menos de 2h. Alcancei a marca, até com alguma folga.
Alguns dias nos separam agora da nova largada. Conto com alguns aliados esse ano. De lá pra cá foram mais de 500km de treinos e provas. Além da experiência da primeira vez, consegui participar de outras tradicionais corridas rústicas como a Volta da Pampulha e a São Silvestre. Com a preparação mais séria, mais forte, fiz academia, perdi peso, nenhuma contusão, é de se esperar uma melhor performance.
Para quem quiser participar também, o site é www.meiamaratonadascataratas.com.br
Grande abraço e obrigado pela torcida
























terça-feira, 3 de junho de 2008

O Teste do "bom dia"

Salve salve leitores queridos!
Olhando agora pela perspectiva dos dias passados, lembro, com muita nitidez, de um dos fatos mais marcantes da nossa chegada: a acolhida da população.
Desde o momento que entramos na área urbana de Anchieta, as efusivas saudações dos moradores até hoje me comovem. Homens e mulheres, de todas as idades. Alguns timidamente, outros mais entusiamados. Crianças sorridentes, faixas, cartazes e as inúmeras saudações e manifestações de enaltecimento ao nosso feito não podiam passar desapercebidas.
Uma das pessoas que mais me marcaram foi a senhora de idade bem avançada, castigada pela longa existência, sentada em sua cadeira-de-rodas, que, mesmo com dificuldade encontrava forças para acenar e sorrir. Demonstrando uma simpatia não condizente com seu estado físico, indicava a mesa posta a propósito para os peregrinos. Com generosidade, oferecia quitutes que, confesso, sequer me sentia digno de merecer. As poucas palavras que trocamos foram marcantes. O entusiasmo daquela senhora em servir ao próximo, mesmo tão perto do fim de sua existência, foi muito inspirador.
Uma de nossas companheiras-andarilhas, a Beth, disse que, há algum tempo, ao fazer suas caminhadas matinais no parque, dá "bom dia" às pessoas que passam por ela. Não se sabe se por timidez, medo, arrogância, falta de educação ou simplesmente surdez, mas recebe um número ínfimo de respostas!
Após ter sentido a acolhida do povo capixaba durante a peregrinação e o bem estar que isso me proporcionou, passei a concordar com a Beth: "- Se as pessoas não têm educação, é um problema delas". Posso parecer louco, mas comecei a dizer "bom dia" a todos os passantes, durante minhas solitárias horas de corrida.
No primeiro teste apesar de ter sido ignorado por bem mais que 20 pessoas, consegui 8 respostas de "bom dia", sendo que uma, até acompanhada de um sorriso! E posso garantir que meu dia foi bem melhor. Aceite minha sugestão: - Faça o teste do "bom dia" você também. É grátis!
Envaidecido pelas mais de 400 visitas à este humilde blog, sinto-me cada vez mais na obrigação em esmerar-me no texto para proporcionar bons momentos de leitura aos amigos blogueiros.
Abraços peregrinos.

terça-feira, 27 de maio de 2008

A emoção da chegada

Net-espectadores, boa tarde!
Fiquei muito aborrecido em não ter conseguido postar de Vitória os emocionantes acontecimentos que vivenciamos no último dia da peregrinação. Peço escusas pelo atraso, porém, para compensar farei uma postagem mais longa e ilustrada.
A rotina de preparação para caminhar estava diferente. Era o último dia de convivência. A melancolia já começava a se instalar nos espíritos, antes eufóricos, dias atrás.
Partimos, pela última vez, da pousada. Cedo, como de costume. O sol recém havia despontado no horizonte e timidamente começava a aquecer a manhã.
Este não seria o dia mais bonito do percurso. Os kilometros de asfalto, que iam sendo vencidos passo a passo por nossas botas e tênis, queriam dar o título a esta postagem.
A aridez do trecho era compensada pelas inúmeras bancas de alimentos.
Voluntários que fazem promessas de fornecer alimentos aos peregrinos por não poderem caminhar.
Pessoas humildes que nos contagiam com sua bondade e, principalmente, com seus sorrisos.
Todas as pessoas pelas quais passávamos nos saudavam: "- Parabéns!"; "-Vocês são heróis"; "-Sejam bem-vindos!". Muitos grupos nos aplaudiam. E eu, contrariado, pensava: - Por que isso? O que eu fiz para merecer todo esse alimento e todas essas homenagens?
Na avenida que dava acesso ao nosso destino, o sub-consciente captou, de um automóvel estacionado, fragmentos de uma música da Legião Urbana que tocava: (...) nada vai conseguir mudar o que ficou (...) e (...) estamos indo de volta pra casa. Essas frases ecoaram em minha mente, durante todo o trecho final.
A medida que nos aproximávamos do santuário a concentração de pessoas e peregrinos aumentava. Já era audível o som dos alto-falantes da ABAPA, saudando aos andarilhos que chegavam à praça. Fogos de artifício pipocavam. Chegamos ao portal do santuário. Iniciávamos a derradeiro aclive, o mais íngrime desde o Convento da Penha. Os sinos tocaram. As lágrimas já brotavam nos olhos. Os pés surrados estavam agora anestesiados pelas intermitentes descargas de adrenalina. Tentei balbuciar uma oração de agradecimento. Já não tinha mais voz. O nó na garganta sufocava. Minhas companheiras Beth e Raquel também silenciaram. Subimos calados e emocionados os últimos metros. Pessoas subiam abraçadas, algumas fazendo preces. Muita gente nos recepcionando. As lágrimas agora alagavam o rosto e turvavam a visão.
Assim que chego à borda do tapete vermelho, como muitos outros peregrinos, me ajoelho em reverência ao Beato Anchieta. Consigo, em meio a soluços, finalmente, fazer uma prece de agradecimento a Deus por ter me dado esta oportunidade e forças para concluir tão linda jornada. Chegamos, enfim!



sábado, 24 de maio de 2008

Dia de pedra

Olá, acompanhantes de jornada, boa noite!
Antes de mais nada gostaria de transmitir algum conhecimento aos leigos que nos dão a honra de acompanhar nossos relatos. Acredito ser importante esclarecer a diferença entre "caminho" e "caminhada". Caminho é uma série de trilhas e estradas (demarcadas, sinalizadas e catalogadas), para ser percorrido em qualquer época do ano. Alguns possuem a sua "coletiva". Já a caminhada, como a que agora participamos é um evento que ocorre anualmente, com organização de alguma empresa ou entidade, apoio governamental, etc.
Isso posto, voltemos às belezas das praias capixabas.
Difícil afirmar qual dos dias foi o mais bonito até aqui. O sol permanece invicto. Nenhuma nuvem se interpôs entre nós.
A maior dificuldade do dia foi a de permanecer caminhando diante da atratividade de tantas praias. Una, Santa Mônica, Três Praias, Praia fonte, Praia das Virtudes, Castanheiras, Praia da Areia Preta, Praia dos Amores.
A transição entre elas sempre feita pelas pedras, porém em nenhum ponto foi necessário o uso das mãos. Muitas surpresas por parte da organização e das comunidades. A proximidade entre os pontos de apoio era tanta que em alguns momentos sequer paramos. Hoje além das frutas uma fábrica de café da região nos proporcionou um café quentinho com biscoito de polvilho!
Apesar da espectativa da Associação Brasileira dos Amigos dos Passos de Anchieta, o número de peregrinos não chegou aos 4000 previstos. No ponto de Setiba, ontem, foram registrados pouco mais de mil andarilhos. Alguns não participaram do trecho de ontem pela sua dificuldade, com o sol e a areia fofa, outros por ser um dia útil. Tivemos informações de que os dias com maior participação são o primeiro e o último (feriado e domingo).
À Rosane, uma de nossas fiéis leitoras e andarilha do Grupo Pegadas, peço desculpas pela ausência da foto oficial, até o momento. Ela existe, porém está em outra máquina. Espero, nos dias próximos estar em condições de postá-la.
Finalmente, após passarmos por mais de 35 praias, nos últimos dias, tivemos a oportunidade de tomar o primeiro banho de mar, que, a propósito, estava ótimo, como esta caminhada.
Entramos agora nos piores momentos: os últimos do caminho. Amanhã não haverá tempo para despedidas. A família se desfaz. Aqueles problemas que havíamos congelados na quarta-feira já são tirados do freezer para na segunda-feira estarem fresquinhos, à nossa espera.
Descubro, a cada peregrinação, que quando se está andando o mais importante não é chegar, é estar no caminho.
Grande abraço.
Keep walking...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Dia de areia

Olá peregrinos virtuais. É uma grande satisfação postar estas novas impressões de mais um ótimo dia de caminhada.

Além da preocupação dos organizadores em prover água, frutas, café com leite, água de côco, etc, é preciso destacar o envolvimento das comunidades ao longo do caminho. Hoje, o dia mais difícil da peregrinação foi ímpar neste sentido. Houve tantos postos de abastecimento de água e alimentos (frutas, cachorro-quente, iogurte, biscoito, etc), que o cantil e o lanche de trilha foi algo totalmente dispensável.

O trecho de hoje, entre a Barra do Jucu e Setiba era de 28 kilometros, 18 dos quais pela praia. A Reserva Paulo Vinhas é o ponto mais difícil pois há poucos recursos em caso de emergência. A administração da reserva disponibilizou pessoal e três postos de abastecimento de água, que minimizou os riscos de problemas.
As sete horas de caminhada de hoje não deixaram seqüelas. Passamos da metade do caminho.
Atenuei meu lado engenheiro e desta vez não trouxe o GPS. No entanto, desta feita, trouxe o monitor cardíaco e, com muita satisfação, pude observar que foram consumidas mais de 1000kcal por dia. Não é possível afirmar que o balanço seja negativo devido à grande ingestão de alimentos, mas a meu ver é satisfatório.


Já próximo do destino do dia, chegamos à Lagoa
dos Caraís, ponto muito pitoresco do litoral capixaba. De coloração extremamente escura, tem grande concentração de lanolina e faz grande contraste de cores com as cercanias.
Amanhã teremos um trecho mais ameno, passando pelo litoral da badalada Guarapari, lotada neste feriado.

Aguardo sua visita (e comentário).

Grande abraço, direto do Espírito Santo (Amém)







quinta-feira, 22 de maio de 2008

É chegado o dia!

E finalmente amanhece. Seis horas e o salão do café já tem um movimento razoável. A ansiedade que mencionei há alguns dias não é exclusividade minha. Pessoas de todas as idades, alturas, pesos, homens e mulheres de todo o Brasil com um objetivo comum: ratificar que os seres humanos são criaturas eminentemente caminhantes.
Cumprimentos entusiásticos entre os presentes, chistes, risos, é como uma reunião de família.
De volta aos aposentos, o ritual de equipar-se. Cada um com o seu. Momento importante. É a hora de pôr em prática todo o know how desenvolvido (muitas vezes às custas de algum sofrimento) em tantos outros kilometros de caminhadas. Uma simples dobra na meia pode causar a bolha que te impedirá de caminhar no dia seguinte, ou, pelo menos, tornará a jornada muito mais penosa. "- Não esqueça isso"; "- Não esqueça aquilo, "- Você vai levar esse negócio, pra quê?"; etc. E já estamos prontos para rumarmos à praça da catedral.
O dia está luminoso como previsto. O frescor da manhã anima a todos.
Nas últimas horas se juntaram ao grupo mais duas companheiras veteranas em caminhadas: Christine e Solange. Para evitar atropelos, procuramos e conseguimos, ainda na noite de ontem, pegar o "passaporte do peregrino" - prova física de nossa jornada espiritual.
Já na praça lotada, uma celebração ecumênica bastante simples, mas carregada de emoção. A bênção aos peregrinos, o coro, as músicas, o pai-nosso de mãos dadas, a ambiente, tudo muito comovente.
Dada a saída. Os primeiros passos de mais uma longa jornada.
O sol acordou conosco e foi companheiro. Presente em todos os momentos, generosamente nos forneceu iluminação adequada para belas fotos.
Primeira parada - Convento da Penha, em Vila Velha. Abastecimento dos cantis. Boa oportunidade tivemos para observar os micos (foto) em diversos pontos da descida do morro. Muito simpáticos, como os outros habitantes, permitiram ser fotografados e filmados à exaustão.
Ao chegamos ao nivel do mar. Durante, aproximadamente 2 horas, caminhamos à beira mar, como previsto. Feriado, praia cheia. Beldades circulando por toda parte, dezenas de quiosques convidativos. Garrafas e garrafas de cervejas sendo esvaziadas. Porém o objetivo hoje não é nenhum desses. Nada pode nos desviar do caminho. Parada só para água-de-côco e sorvete (em pé, inclusive).
Entramos em um parque estadual (que ninguém soube informar o nome, até o presente momento) para um trecho bastante árido.
A chegada à Barra do Jucu foi inesperada. Após os 24km iniciais, massoterapeutas do SESC recebiam, com muita gentileza, os andarilhos. Definitivamente uma peregrinação de burguês!
O trecho de amanhã será pela areia fofa. Espero chegar nas mesmas condições de hoje, disposto e com mais histórias para contar.
Saudações peregrinas!


quarta-feira, 21 de maio de 2008

Vitória

O melhor da caminhada já começou: o contato com os peregrinos. Pessoas de Minas, Goiás, São Paulo, Rio Grande do Norte (Natal) e outros estados já estão em solo capixaba à espera da partida.
Incrível é o fato de muitos nativos desconhecerem o caminho! Alguns que o conhecem o rotulam de "uma bobagem" ou "não existe isso", inclusive. Viemos dos quatro cantos do Brasil para divulgar, entre os capixabas, os Passos de Anchieta.
Ao lado a foto da linda catedral em estilo gótico, lugar comum entre as fotos de turistas. Praticamente o cartão postal da cidade.
A confraternização entre peregrinos é um dos melhores motivos de se fazer um caminho.
Além dos companheiros de Curitiba (Beth, Carlos, Viviane, Gisele, Sara, Raquel, Isabel, Leda, Maria José e Anuty) que já estão aqui (além deste autor), começamos a nos encontramos com andarilhos irmãos de outros caminhos, principalmente da Caminhada da Paz. É tudo uma grande festa.
Já estivemos no ponto de partida (foto).
Amanhã, daremos os primeiros passos com destino a Anchieta.

Grande abraço





terça-feira, 20 de maio de 2008

Peregrinação Burguesa

Última postagem em solo paranaense. Amanhã, se Deus quiser, já estaremos respirando "ares capixabas".
Esta é a maior caminhada coletiva do Brasil. Espera-se para este ano 4.000 peregrinos. Dado que nos deixou apreensivos visto que, por maior que seja a boa-vontade dos organizadores e da população local, é previsível que haja algum tumulto para a alimentação, banho e hospedagem desse povo todo.
Mas com a ajuda da nossa rede de amigos andarilhos conseguimos encontrar uma alternativa para minimizar nosso desconforto. Nos foi indicada uma pousada, em Guarapari, próximo à metade do caminho, que além de nos hospedar todas as noites, fará o serviço de leva-e-trás em cada uma das paradas. Naturalmente que teremos que caminhar os 100km e carimbar a credencial em cada um dos pontos previstos, porém sem os 6 ou 7 kg da mochila nas costas!
Como diria nosso amigo peregrino Marcelo Aragão: PEREGRINAÇÃO DE BURGUÊS!
Até Vitória, pessoal!

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Ansiedade


Levanto cedo, a tempo de testemunhar o fascinante adeus da lua, quase cheia, ampliada e amarelada pela proximidade com o horizonte. A luminosidade perfeita, que não fere os olhos, nos permite ver com incrível nitidez seu contorno, seus vales e crateras.
Enquanto preparo o desjejum, no horizonte oposto, a claridade do novo dia vai diminuindo o brilho das estrelas, até sobrepujá-lo. Tomo o suco de laranja, assistindo aos primeiros raios do sol rasgando os céus e extinguindo por completo as trevas da noite. Respiro fundo. Me encho com o ar puro e fresco desta manhã de outono. Nasce mais um lindo dia.
Faltando menos de 72 horas para iniciarmos os Passos de Anchieta, já me sinto na estrada. Coloco no freezer primeiro os alimentos perecíveis da geladeira, e depois, nossos companheiros fiéis do dia-a-dia: os chamados “problemas”. Problemas que, como as estrelas perante o sol, desaparecem nas curvas do caminho face à grandiosidade da natureza.
Com o espírito nômade agitado, ansioso, vislumbro mais uma página em branco da vida, aguardando para ser escrita. Um parêntesis que pode ser mais interessante que o texto. Livre da matéria, das coisas mundanas e com a alma pura. Pura como a liberdade plena que estamos a algumas horas de experimentar.

Até a próxima.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Objetivo deste blog

Desde que concluí a peregrinação no Caminho da Fé, consequentemente esgotando o assunto do outro blog que fiz (http://aimarnocaminhodafe.blogspot.com), um grande vazio surgiu. As postagens diárias disciplinavam meus dias, balizavam os temas das fotos, acuravam o interesse por assuntos do caminho. Era importante buscar "matérias" para serem publicadas e evitar que a monotonia se instalasse no meu primeiro blog. A responsabilidade aumentava a cada comentário novo pois eu percebia a grande quantidade de amigos que estavam comigo. Até hoje encontro com pessoas que acompanharam em silêncio àquela aventura.
Surgiu então a idéia de um novo blog. O título já veio junto com a idéia. Faltava só a faísca, o empurrão, o start. Outras atividades que poderiam ser chamadas de aventuras foram se sucedendo desde o final do Caminho da Fé, mas nenhuma tinha uma "aura de aventura" suficiente para arcar com o peso de ser a primeira do novo blog. Acabaram ficando (por enquanto) de fora (a Caminhada da Paz, a Volta da Pampulha, a 83a. São Silvestre, o Canyon do Guartelá, o rafting no rio Tibagi, a Ilha do Cardoso, etc.
Finalmente é chegada a hora: "PASSOS DE ANCHIETA" - caminhada coletiva.
Abração a todos